Segue a história original que deu
nome ao espetáculo: "O HOMEM QUE ACREDITAVA"
UMA HISTÓRIA DE FADAS
Era uma
vez o País das Fadas. Ninguém sabia direito onde ficava, e muita gente (a
maioria) até duvidava que ficasse em algum lugar. Mesmo quem não duvidava
(e eram poucos) também não tinha a menor idéia de como fazer para chegar
lá. Mas, entre esses poucos, corria a certeza que, se quisesse mesmo
chegar lá, você dava um jeito e acabava chegando. Só uma coisa era
fundamental (e dificílima): Acreditar.
Era uma
vez, também, nesse tempo (que nem tempo antigo, era, não; era tempo de
agora, que nem o nosso), um homem que acreditava. Um homem comum, que lia
jornais, via TV (e sentia medo, que nem a gente), era despedido, ficava
duro (que nem a gente), tentava amar, não dava certo (que nem a gente). Em
tudo, o homem era assim que nem a gente. Com aquela diferença enorme: era
um homem que acreditava. Nada no bolso ou nas mãos, um dia ele resolveu
sair em busca do País das Fadas. E saiu.
Aconteceram
milhares de coisas que não tem espaço aqui pra contar. Coisas duras,
tristes, perigosas, assustadoras, O homem seguia sempre em frente. Meio de
saia-justa, porque tinham dito pra ele (uns amigos najas) que mesmo chegando
ao País das Fadas elas podiam simplesmente não gostar dele. E continuar
invisíveis (o que era o de menos), ou até fazer maldades horríveis com o
pobre. Assustado, inseguro, sozinho, cada vez mais faminto e triste, o
homem que acreditava continuava caminhando. Chorava às vezes, rezava
sempre. Pensava em fadas o tempo todo. E sem ninguém saber, em
segredo, cada vez mais: acreditava, acreditava.
Um dia,
chegou à beira de um rio lamacento e furioso, de nenhuma beleza. Alguma
coisa dentro dele disse que do outro lado daquele rio ficava o País das
Fadas. Ele acreditou. Procurou inutilmente um barco, não havia: o único
jeito era atravessar o rio a nado. Ele não era nenhum atleta (ao
contrário), mas atravessou. Chegou à outra margem exausto, mas viu uma
estradinha boba e sentiu que era por ali.
Também acreditou. E foi caminhando pela estradinha boba, em
direção àquilo em que acreditava.
Então
parou. Tão cansado estava, sentou numa pedra. E era tão bonito lá que
pensou em descansar um pouco, coitado. Sem querer, dormiu. Quando abriu os
olhos — quem estava pousada na pedra ao lado dele? Uma fada, é claro. Uma
fadinha mínima assim do tamanho de um dedo mindinho, com asinhas
transparentes e tudo a que as fadinhas têm direito. Muito encabulado,
ele quis explicar que não tinha trazido quase nada e foi tirando dos bolsos
tudo que lhe restava: farelos de pão, restos de papel, moedinhas. Morto de
vergonha, colocou aquela miséria ao lado da fadinha.
De
repente, uma porção de outras fadinhas e fadinhos (eles também existem)
despencaram de todos os lados sobre os pobres presentes do homem que
acreditava. Espantado, ele percebeu que todos estavam gostando muito: riam
sem parar, jogavam farelos uns nos outros, rolavam as moedinhas, na maior
zona. Ao toquezinho deles, tudo virava ouro. Depois de brincarem um
tempão, falaram pra ele que tinham adorado os presentes. E, em troca, iam
ensinar um caminho de volta bem fácil. Que podia voltar quando quisesse
por aquele caminho de volta (que era também de ida) fácil, seguro, rápido.
Além do mais, podia trazer junto outra pessoa: teriam muito prazer em
receber alguém de que o homem que acreditava gostasse.
Era comum,
que nem a gente. A única diferença é que ele era um Homem Que Acreditava.
De
repente, o homem estava num barco que deslizava sob colunas enormes,
esculpidas em pedras. Lindas colunas cheias de formas sobre o rio manso
como um tapete mágico onde ia o barquinho no qual ele estava. Algumas
fadinhas esvoaçavam em volta, brincando. Era tudo tão gostoso que ele
dormiu. E acordou no mesmo lugar (o seu quarto) de onde tinha saído um
dia. Era de manhã bem cedo. O homem que acreditava abriu todas as janelas
para o dia azul brilhante. Respirou fundo, sorriu. Ficou pensando em quem
poderia convidar para ir com ele ao País das Fadas. Alguém de que gostasse
muito e também acreditasse. Sorriu ainda mais quando, sem esforço, lembrou
de uma porção de gente. Esse convite agora está sempre nos olhos dele:
quem acredita sabe encontrar. Não garanto que foi feliz para sempre, mas
o sorriso dele era lindo quando pensou todas essas coisas — ah, disso
eu não tenho a menor dúvida. E você?
Caio Fernando Abreu
O Estado de S. Paulo, 30/11/1988
É muito interessante como o autor consegue tocar cada pessoa de maneira particular. Um único texto e teremos os mais divertidos e bizarros países das fadas.
ResponderExcluir